The Flash: Andy Muschietti Defende o Filme e a Visão que Dividiu o Mundo
No panteão dos filmes de super-heróis, poucos projetos carregaram um fardo tão pesado quanto The Flash. Por quase uma década, o filme solo do Velocista Escarlate foi um fantasma nos corredores da Warner Bros., passando por inúmeros diretores, roteiros e visões, tornando-se uma lenda em Hollywood por sua conturbada produção.

Quando finalmente chegou aos cinemas sob a direção de Andy Muschietti, a expectativa era estratosférica. Prometido como “um dos melhores filmes de super-heróis de todos os tempos” pela nova liderança da DC e pelo próprio James Gunn, o filme trazia a promessa de um épico do multiverso, o retorno triunfal do Batman de Michael Keaton e um reset para todo o Universo Estendido da DC (DCEU).
O resultado, no entanto, foi uma das histórias mais complexas e divisivas da história recente do gênero: um fracasso retumbante de bilheteria, mas um filme que, para uma parcela significativa do público e, mais importante, para seu próprio diretor, foi um sucesso artístico e emocional.

Agora, meses após a poeira ter baixado, o diretor Andy Muschietti quebrou o silêncio para defender apaixonadamente sua obra. Em uma entrevista franca, ele abordou as críticas, explicou suas escolhas estilísticas mais controversas (especialmente os efeitos visuais) e reafirmou sua crença no coração e na alma do filme que ele criou.
A defesa de Muschietti não é apenas a tentativa de um diretor de proteger seu trabalho; é uma janela fascinante para a pressão, a ambição e o compromisso artístico por trás de um dos blockbusters mais mal compreendidos dos últimos anos. É a história de um filme que tentou ser tudo para todos e, no processo, se tornou algo profundamente pessoal para seu criador, mesmo que o mundo não estivesse pronto para embarcar na mesma viagem. Vamos analisar a defesa de Muschi-etti, ponto por ponto, e explorar o legado agridoce de The Flash.
A Visão do Diretor: “Um Filme de Emoção, Não de Efeitos”
O ponto central da defesa de Muschietti reside na intenção por trás do filme. Para ele, The Flash nunca foi primariamente sobre o espetáculo do multiverso. Foi sobre a jornada emocional de Barry Allen.
- A Tragédia de Barry Allen: Muschietti enfatiza que o núcleo do filme é a história de um jovem que faria qualquer coisa para ter mais cinco minutos com sua mãe. Toda a viagem no tempo, todo o caos multiversal, é uma consequência direta de um ato de amor desesperado. O filme é, em sua essência, um drama sobre luto, aceitação e as consequências de tentar reescrever o passado. Barry não é um herói tentando salvar o mundo; ele é um filho tentando salvar sua família, e que acidentalmente quebra o universo no processo.
- O Coração da História: Na visão do diretor, o retorno de Michael Keaton, a introdução da Supergirl de Sasha Calle e as participações especiais do multiverso não eram o prato principal; eram o tempero. O prato principal sempre foi a relação de Barry com sua mãe, Nora Allen, e sua jornada para finalmente deixá-la ir. A cena final, onde Barry volta no tempo uma última vez, não para salvá-la, mas apenas para vê-la e aceitar seu destino, é, para Muschietti, o clímax emocional e o verdadeiro propósito do filme.
Essa perspectiva é crucial para entender as escolhas que se seguiram. Se o foco é a emoção, o espetáculo pode ser estilizado de uma forma que sirva a essa emoção, mesmo que não seja “realista”.
A Controvérsia do CGI: A Defesa dos “Bebês no Micro-ondas”
A crítica mais universal e impiedosa a The Flash foi direcionada aos seus efeitos visuais, especialmente na sequência da “Cronosfera”, onde Barry salva uma série de bebês caindo de uma maternidade de hospital. As imagens, com bebês que pareciam bonecos de borracha e um CGI que parecia inacabado, tornaram-se motivo de piada online. A defesa de Muschietti para isso é ousada e, para muitos, controversa.
- Uma Escolha Deliberada, Não um Erro: Muschietti afirma categoricamente que o CGI da Cronosfera foi uma escolha estilística intencional. Ele explica que, como a cena se passa inteiramente do ponto de vista de Barry, que está se movendo mais rápido que a luz, o mundo ao seu redor apareceria distorcido, aquoso e irreal. A física como a conhecemos não se aplicaria. Portanto, os bebês não parecem realistas porque, da perspectiva de Barry, eles não são realistas. Eles são objetos em um mundo que se desfaz sob a velocidade extrema.
- A Lógica da Perspectiva: Para o diretor, fazer a cena com um CGI fotorrealista seria uma traição à lógica interna do poder do Flash. Seria mostrar a cena da perspectiva do público, e não da perspectiva do personagem. Ele queria que o público sentisse a estranheza e a irrealidade de se mover naquela velocidade, e o CGI “estranho” era a ferramenta para alcançar isso.
- Uma Defesa Válida ou uma Desculpa? Aqui reside o cerne do debate. Artisticamente, a explicação de Muschietti faz sentido. É uma justificativa conceitual para uma escolha visual. No entanto, a execução falhou em comunicar essa intenção para a grande maioria do público. Para o espectador médio, não parecia uma escolha estilística; parecia um trabalho mal feito. A “morte do autor” (a ideia de que a intenção do criador não importa se a obra não a comunica) é um argumento forte aqui. A defesa de Muschietti é intelectualmente interessante, mas não muda o fato de que, para muitos, a cena quebrou a imersão em vez de aumentá-la.
O mesmo argumento se aplica às participações especiais do multiverso no final, com o Superman de Christopher Reeve e a Supergirl de Helen Slater recriados digitalmente. Embora a intenção fosse homenagear o passado, a execução foi amplamente criticada como desrespeitosa e parte do “vale da estranheza” (uncanny valley), onde algo parece quase humano, mas não o suficiente, causando desconforto.
O Legado de Michael Keaton e a Tragédia do Universo que Nunca Foi
Talvez a parte mais agridoce da defesa de Muschietti seja o amor evidente que ele tem pelo universo que estava construindo, um universo que foi abortado antes mesmo de nascer.
- O Retorno Perfeito: Um ponto em que quase todos concordam é que o retorno de Michael Keaton como Batman foi magistral. Muschietti conseguiu capturar perfeitamente a essência de um Bruce Wayne mais velho, cansado e quebrado, que reencontra um propósito. A química entre Keaton e Ezra Miller foi um dos pontos altos do filme. A defesa de Muschietti aqui não é necessária, mas ele reitera o quão colaborativo e especial foi o processo de trazer Keaton de volta, não como uma participação especial, mas como um personagem coadjuvante fundamental.
- A Supergirl de Sasha Calle: Muschietti também defende com paixão a sua Supergirl, interpretada por Sasha Calle. Ele a via como uma versão mais sombria e trágica da personagem, uma kryptoniana que passou a vida inteira em uma prisão. Sua morte no clímax do filme foi projetada para ser chocante e para alimentar a obsessão de Barry em consertar a linha do tempo. Havia planos claros para o futuro dela, planos que foram completamente descartados com o reboot do DCU.
- O Final com George Clooney: A cena final, com George Clooney aparecendo como o novo Bruce Wayne do universo “consertado” de Barry, era para ser a grande piada cósmica. Barry, ao tentar consertar uma pequena coisa, mudou o rosto de seu mentor mais uma vez. Era uma provocação para uma sequência que exploraria as consequências contínuas de suas ações.
A defesa de Muschietti, neste ponto, é tingida de melancolia. Ele está defendendo não apenas o filme que fez, mas o futuro que ele planejou. The Flash não era para ser um ponto final; era para ser um ponto e vírgula, o início de uma nova fase que agora nunca veremos.
O Elefante na Sala: O Fator Ezra Miller
É impossível discutir The Flash sem mencionar as controvérsias em torno de sua estrela, Ezra Miller. Os problemas legais e o comportamento errático de Miller antes do lançamento do filme criaram uma nuvem tóxica sobre o projeto, levando a boicotes e a uma publicidade extremamente negativa.
Muschietti, em sua defesa, foca estritamente na experiência de trabalho. Ele elogia a dedicação, o talento e o profissionalismo de Miller no set, destacando a dificuldade de interpretar duas versões do mesmo personagem. É uma resposta compreensível de um diretor que precisa separar a arte do artista para poder concluir e promover seu trabalho.

No entanto, para o público, essa separação foi muito mais difícil. O fracasso de bilheteria do filme não pode ser atribuído apenas às críticas mistas; a relutância do público em apoiar um filme estrelado por uma figura tão controversa foi, sem dúvida, um fator significativo.
Conclusão: Um Filme Órfão em Busca de Legado
A defesa de Andy Muschietti a The Flash é um documento fascinante sobre a colisão entre a visão artística e a recepção do público. Ele nos pede para ver o filme não como ele foi percebido, mas como ele foi concebido: um drama emocional sobre o luto, disfarçado de blockbuster de super-herói.
Ele tem razão? Em parte, sim. O coração emocional da história de Barry e sua mãe é genuíno e eficaz. A performance de Ezra Miller, vista isoladamente, é impressionante. O retorno de Michael Keaton é um triunfo. No entanto, a defesa de escolhas estilísticas que alienaram grande parte do público soa mais como uma justificativa pós-fato do que uma prova de sucesso.
No final, The Flash se tornou um filme órfão. Foi o último suspiro de um universo (o DCEU) que já estava morto. Lançou as bases para um futuro que foi imediatamente descartado. E foi estrelado por um ator cuja carreira implodiu antes mesmo da estreia. Ele existe em um limbo, um “e se?” cinematográfico.

A paixão de Andy Muschietti por seu filme é palpável e admirável. Ele criou a obra que queria criar, e a defende com convicção. Talvez, com o tempo, livre do peso das expectativas e das controvérsias, o público possa revisitar The Flash e apreciar a jornada emocional que Muschietti sempre quis contar. Talvez, um dia, ele encontre seu lugar como um clássico cult, um épico ambicioso e falho que ousou colocar o coração de seu herói acima do espetáculo ao seu redor. Por enquanto, ele permanece como um raio em uma garrafa: brilhante, caótico e tragicamente contido.
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